Uma pedadogia contra a irresponsabilidade das prisões

¿Una pedagogía contra la irresponsabilidad de las prisiones?

A pedagogy against irresponsability of prisons?

Sergio Grossi
Universidad Federal Fluminense, Brasil
Università di Padova, Italia
sergio.grossi@phd.unipd.it

Graduado en Filosofía, Dognición y Psicología
Maestro en Planificación y Gestión de Intervenciones Educativas en el Malestar Social por la Universidad de Bolonia, Italia.
Doctorando en educación en la Università di Padova (Italia) y en la Universidad Federal Fluminense (Brasil).
Trabajó en Argentina y en Brasil e Italia en proyectos de apoyo y educación a poblaciones vulnerables, como jóvenes infractores, presos, personas sin hogar, refugiados, personas en sufrimiento psíquico y víctima del tráfico de seres humanos.
Actualmente está reflexionando sobre la educación en contextos de privación y restricción de libertad, y su investigación analiza un modelo de prisión sin policías especializados en la reintegración social de los presos en Brasil.

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Resumo

Os avanços legislativos na garantia do direito à educação nas prisões não conseguiram ainda romper com a pedagogia da irresponsabilidade e com o domínio da “segurança” que infantiliza em lugar de educar. Nesse contexto, um modelo chega do Brasil, envolvendo mais de 3500 internos e um baixo índice de reincidência (15%). Querendo “matar o criminoso e salvar o homem”, apresenta um discurso no qual a segurança da sociedade passa pela recuperação por meio de uma “pedagogia da presença”.

Essa pesquisa quer investigar a concepção pedagógica desse modelo evidenciando os avanços e as continuidades no que tange aos presídios. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que utilizará a pesquisa documental para compreender a autodescrição do modelo e o método etnográfico, em particular a observação participante e entrevistas semiestruturadas para analisar as práticas.

No estado atual da pesquisa encontra-se que o modelo das APACs parece garantir melhor o direito à educação, tendo um discurso responsabilizador que considera todos como educadores. Os internos estudam e trabalham, em um contexto esteticamente agradável e aberto que permite à sociedade se educar junto, levando à humanização dos “presos”.

 

Palavras chave

prisão; recuperação; educação; reintegração

Resumen

Los avances legislativos en la garantía del derecho a la educación en las cárceles no lograron aún romper con la pedagogía de la irresponsabilidad y con el dominio de la “seguridad” que infantiliza en lugar de educar. En ese contexto, un modelo llega de Brasil, involucrando más de 3500 internos y un bajo índice de reincidencia (15%). Queriendo “matar al criminal y salvar al hombre”, presenta un discurso en el que la seguridad de la sociedad pasa por la recuperación por medio de una “pedagogía de la presencia”.

Esta investigación quiere investigar la concepción pedagógica de ese modelo evidenciando los avances y las continuidades en lo que se refiere a los presidios. Se trata de una investigación cualitativa, que utilizará la investigación documental para comprender la autodescripción del modelo y el método etnográfico, en particular la observación participante y entrevistas semiestructuradas para analizar las prácticas.

En el estado actual de la investigación se encuentra que el modelo de las APACs parece garantizar mejor el derecho a la educación, teniendo un discurso responsabilizador que considera a todos como educadores. Los internos estudian y trabajan, en un contexto estéticamente agradable y abierto que permite a la sociedad educarse juntos, llevando a la humanización de los “presos”.

 

Palabras clave

prisión; recuperación; educación; reintegración

Abstract

Legislative advances that guarantee the right to education in prisons have not yet managed to break with the pedagogy of irresponsibility and with the dominance of “security” that infantilizes instead of educates. In this context, Brazil offers a model, involving more than 3,500 inmates and a low recidivism rate (15%). Wanting to “kill the criminal and the save man,” this approach presents a discourse in which the security of society goes through recovery through a “pedagogy of presence”.

This research aims to investigate the pedagogical conception of this model, evidencing the advances and continuities in regard to prisons. This is a qualitative research study which uses documentary research to understand the model and the ethnographic method.

In particular, the study reviews participant observation and semi-structured interviews to analyze the practices. Research suggests the APAC model seems to guarantee the right to education better than traditional prison education models primarily by considering inmates as educators and by promoting discourse on responsibility. Inmates study and work in an aesthetically pleasing and open layout that promotes agency over their education, leading to the humanization of the prisoners.

 

Keywords

prison, recovery, education, reintegration

Recepción

9 de noviembre de 2018.

Aceptación

15 de enero de 2019.

Introducción

Os avanços legislativos na garantia do direito à educação nas prisões não conseguiram ainda romper com a pedagogia da irresponsabilidade e com o domínio da “segurança” que infantiliza e adestra em lugar de educar.

Encontramos nos presídios atuais as pessoas que o sistema educativo não conseguiu interceptar. É incomum encontrar pessoas com ensino superior completo privadas de liberdade. Atrás da expectativa redentora posta sob a educação, verifica-se a precária interpelação de diferentes grupos marginalizados em processos educativos efetivamente emancipatórios. Soma-se a isso quadros de aprofundamento das desigualdades, econômica, social, política, onde se encontra também a “desigualdade educativa”, evidente nos presídios do mundo.

Estamos diante de um encarceramento massivo, que cresce de forma perversa em particular nas américas. Entre os mais de deis milhões de pessoas privadas de liberdade, mais de um milhão de jovens estão atrás das grades no mundo, em sua maioria com um baixo nível educativo. Nesta realidade encontramos pessoas com problemas específicos de aprendizagem e de saúde mental, dependentes químicos, desempregados, moradores de rua, minorias, populações LGBTI, migrantes, pobres e miseráveis, entre outros, considerados “disfuncionais” no modelo de sociedade contemporâneo. Vê-se os dados relativos à detenção social, por exemplo, que apresentam imigrantes como sendo um quinto da população dos presos na Europa.

Idosos e mulheres emergem nos quadros de crescimento populacional das prisões, representando um desafio novo em um mundo onde as prisões são pensadas para jovens homens. Na primeira parte do artigo, busca-se explorar meandros deste quadro de encarceramento de massa.

A educação então é chamada para contribuir, em conjunto com as outras disciplinas que se envolvem com o assunto há décadas, a contribuir para uma redução das desigualdades dessa população duplamente marginalizada – antes da privação de liberdade no universo social do trabalho, da moradia, da escola, e depois, ainda mais estigmatizada como “perigosa” e “desviante”.

Uma contribuição importante para essa reflexão vem do olhar especifico do modelo das Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APACs) no Brasil, que se oferece como uma alternativa global e que visa oferecer uma reintegração social que prevê um papel central da educação. Na segunda parte do trabalho, busca-se conhecer esta experiência e discutir a partir dela a importância dos processos educativos em situação de privação de liberdade, bem como de que forma o projeto representa continuidade ou descontinuidade ao modelo tradicional de cárcere.

Enfim, pretende-se apresentar considerações atuais que permitam uma melhor compreensão da experiência das APACs como alternativa, de modo de entender a proposta das APACs como política de reintegração social.

A emergência educativa global em frente ao encarceramento massivo

Observa-se na última década uma queda contínua nas taxas de crimes, em particular, os mais violentos. Entre 2000-2012, a taxa mundial de homicídios reduziu em 16%, embora siga diferenças regionais. Diminuíram também outros crimes violentos, assim como os crimes contra a propriedade. Só aumentaram os crimes de posse de drogas, 13% entre 2003 e 2013 (Penal Reform International 2017: 7).

Contudo, sem aparente necessidade, assistimos a um aumento mundial do número de presos, em particular localizado nas américas. No período de 2000 a 2015, houve um aumento de mais de 20% da população carcerária em relação ao crescimento geral da população mundial, estimado em 18% (Institute for Criminal Policy Research (ICPR) 2016).

A população prisional no mundo atingiu números alarmantes. Segundo o World Prison Population List (INSTITUTE FOR CRIMINAL POLICY RESEARCH 2016), em 2015 existiam mais de 10 milhões de presos no mundo.

As prisões estão superlotadas. Dos 116 de 204 sistemas penitenciários nacionais pesquisados declararam uma população carcerária maior que o número de vagas disponíveis (Coyle, Fair, Jacobson, & Walmsley, 2016). Penal Reform International (2017) afirma que 115 países de 198 pesquisados, operam acima de 100% da sua capacidade. Em 51 países (26% do total) a lotação é extrema, com mais de 150% da capacidade declarada. Em 79 países a superpopulação (40% dos pesquisados) chega a 120%.

Em muitos países, a situação da população carcerária é desumana e degradante (COYLE, ANDREW; FAIR, HELEN 2016), e, apesar dos muitos esforços de distintos governos, ONGs, movimentos sociais e indivíduos, os sistemas prisionais são particularmente resistentes às reformas. As respostas que predominam dos governos são fundamentadas na desconfiança na reabilitação dos presos, sugerindo, geralmente, sempre mais prisão e por mais tempo.

Constantes e distintos problemas como a violência, a violação dos direitos humanos, as altas taxas de reincidência dos presos, questões de ordem racial e o crescente custo de manutenção do sistema penitenciário se destacam para se constatar o fracasso da prisão comum.

Esse crescimento populacional carcerário é desigual, e é particularmente alarmante em algumas regiões do mundo. Os países que mais encarceram em números brutos no mundo, em 2015, são os EUA (2.2 milhões de presos), a China (mais de 1.65 milhões), a Rússia (640.000) e o Brasil 607.000. Em 2016, o Brasil chegou ao terceiro lugar, aumentando a sua população encarcerada para 726.712 (Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) 2018).

Segundo o World Prison Population List (INSTITUTE FOR CRIMINAL POLICY RESEARCH 2016), também a taxa de encarceramento varia de região para região. Enquanto na África ocidental é de 52 presos por 100.000 pessoas, na África do Sul é de 188, na América do Sul é de 242, no centro sul asiático é de 74 e no centro asiático é de 166. Na Oceania é de 155 e na Europa ocidental a média é de 84, enquanto nos países da fronteira entre Europa e Ásia (Rússia e Turquia) é de 236.

Os países com as taxas mais altas de encarceramento são, em 2015, Seicheles (799 presos por 100,000 habitantes), seguido pelos EUA (698), St. Kitts & Nevis (607), Turcomenistão (583), U.S. Virgin Islands (542), Cuba (510), El Salvador (492), Guam – U.S.A. (469), Tailândia (461), Belize (449), Rússia (445), Ruanda (434) e as Ilhas Virgens Britânica (425).

Os grupos marginalizados da sociedade são super-representados na população prisional: “muitos deles provêm da pobreza extrema e das famílias desestruturadas. Uma alta proporção estava desempregada. Os níveis de educação são baixos. Alguns viviam nas ruas e não tinham nenhuma rede social legítima” (COYLE, ANDREW; FAIR, HELEN 2016: l. 1469-1471).

Devido a essa situação “as pessoas que são enviadas para a prisão muitas vezes chegam lá com problemas de saúde pré-existentes […] doenças infecciosas, vícios, problemas de saúde mental e de aprendizagem e desabilidades intelectuais” (COYLE, ANDREW; FAIR, HELEN 2016: l. 1365-1368)

A população encarcerada feminina mundial, grupo particularmente vulnerável, aumentou muito, cerca de 50% entre 2000 e 2015. Houve um crescimento maior que a população masculina, passando de 5,4% da população encarcerada total em 2000 para 6,8% em 2015 (INSTITUTE FOR CRIMINAL POLICY RESEARCH 2016). Conforme Prison Reform Internacional (2017: 16), 700.000 mulheres estavam presas em 2015.

Outro grupo altamente vulnerável são os jovens presos. Em 2010 chegou a 1 milhão (PRISON REFORM INTERNACIONAL, 2017, p.18). Segundo o documento, essa população vem diminuindo, passando de 12 para 10 presos por 100.000 jovens entre o período 2004-2006 e o período 2011-2013.

Os imigrantes presos continuam a aumentar. Na União Europeia, quase um quinto dos presos é estrangeiro, chegando, por exemplo, a 62% da população prisional da Holanda em 2015. No Oriente Médio, os presos estrangeiros são mais de 50% (PRISON REFORM INTERNACIONAL, 2017, p.19).

Os grupos minoritários também são mais encarcerados. Prison Reform Internacional (2017, p. 20) relata que na Índia, os Muçulmanos, os Dalits e os Adivasis, embora sejam 40% da população do país, compõem 50% dos presos. Na Hungria, o romes são apenas 6% da população nacional, mas representam 40% dos presos do país. Na Austrália, os jovens indígenas têm a possibilidade 24 vezes maior de ser encarcerados que um não-indígena. Os Afro-americanos têm 5 vezes mais probabilidade de serem presos que os brancos.

As pessoas com problemas de drogas são muitas entre os presos: um terço dos presos usou drogas no mínimo uma vez quando estava na prisão e muitos começaram a usar quando estavam encarcerados (PRISON REFORM INTERNACIONAL 2017:20).

Não há nenhum dado confiável sobre a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexuais (LGBTI), entretanto, em mais de 76 países essas expressões de gênero ainda são criminalizadas (PRISON REFORM INTERNACIONAL 2017: 21).

Os idosos também correspondem uma população carcerária crescente. No Japão são mais do 20% do total de presos. Na Inglaterra representam 14%.

O modelo da APAC – uma exceção Brasileira

Conforme as pesquisas analisadas no artigo apresentado no 56º Congresso de Americanistas em Salamanca (Espana) em 2018, as APACs, são mais baratas, cuidam mais dos direitos dos presos, não são comuns episódios de violência física e são raras as fugas, situações de indisciplina e rebelião.

O modelo propõe, por meio do voluntariado e a partir de diferentes parcerias, proporcionar as assistências variadas, que faltam muitas vezes no sistema comum.

A recuperação convence os presos presentes, e o índice de reincidência é inferior ao sistema comum. Teoricamente, as APACs consideram que ninguém é irrecuperável, e existem efetivamente presos condenados por crimes violentos que vivem nas estruturas. Os estupradores não são ulteriormente, marginalizados e vivem junto aos outros.

Existem diversas atividades, e os presos ficam, ao longo do dia, nos espaços comuns, em um contexto tranquilo e esteticamente agradável, no qual não existe tensão evidente nem com os funcionários.

A educação formal é disponível, obrigatória e oferecida para todos. Há educação profissional, palestras de valorização humana e a educação informal se forma em um contexto que aparece quebrar a cultura carcerária. O trabalho parece ser ressocializador, tendo como objetivo principal a recuperação.

A relação com a comunidade onde a APAC é localizada é fundamental e precisa ser boa. Isso permite construir relações entre os presos e as pessoas da comunidade, reduzindo o estigma.

Seria importante aprofundar mais alguns aspectos do modelo APAC, como a qualidade da educação, os conteúdos da “valorização humana”, a redução do estigma, a ruptura com o aculturamento carcerário e as relações com as famílias.

O baixo custo do modelo também precisaria ser analisado: isso poderia depender do trabalho dos presos, mal ou não retribuído.

Importante entender a qualidade e a quantidade dos serviços das assistências, sendo fornecidos, às vezes, por pessoal voluntário ou estagiário, que poderia não estar devidamente preparado para o contexto.

A reincidência baixa também pode ser devido a uma seletividade gerada pelas inúmeras regras e atividades obrigatórias que os presos cumprem para permanecer nas unidades. É preciso trabalhar, estudar, ter uma forma de “espiritualidade”, além de uma boa disciplina para terminar o percurso nas APACs.

Aparente ruptura da cultura carcerária poderia ser oportunista, devido a uma aceitação apenas superficial das regras das APACs para obter os benefícios materiais que as estruturas fornecem.

A qualificação profissional também precisaria ser mais bem investigada, podendo não ser devidamente eficaz, porque se encontra o problema de inserção no mercado do trabalho em algumas unidades.

O objetivo de evangelização também pode entrar em conflito com a garantia de uma execução penal igual para todos.

Deve-se ter cuidado: um modelo mais barato e agradável como esse pode legitimar e estender ulteriormente o uso da prisão, gerando menos conflitos ético-políticos na sociedade.

Lembramos que a APAC tem, ainda, caraterísticas das instituições totais e formas de violência não física, sendo presente a ameaça permanente de volta ao sistema comum — notoriamente violenta.

Poderia existir a APAC sem a experiência extrema dos presos no sistema comum? Essa pregunta é ainda mais forte sabendo que as tentativas de fazer ingressar os condenados diretamente na APAC, sem um prévio período no sistema comum, fracassaram.

A produção de “corpos dóceis”, no sentido de produtivos e não perigosos (politicamente), é uma questão interessante. As APACs não promovem ativamente uma educação centrada na tomada de consciência política das condições que levaram os presos ao crime. O discurso oficial da APAC, inclusive, parece focar mais sobre as famílias “disfuncionais”. Contudo, nas aulas que observei, encontrei diversos conteúdos críticos, que me fazem pensar que as escolas internas podem desenvolver uma consciência crítica.

Pode ser que consigamos encontrar um limite estrutural. Lembrando que, hoje, a inclusão precisa lidar também com a reinserção no mercado do trabalho e com as dificuldades gerais que se encontram atualmente no país. Acrescente-se a isso que, sendo a maioria dos presos jovens e não particularmente qualificados profissionalmente, existirá sempre o estigma e a falta de oportunidades, características recorrentes da biografia dessa população. É necessário nos questionar se pode existir uma inclusão efetiva, nessa sociedade, para “corpos indóceis”. Qual pode ser o objetivo máximo da reintegração social, na sociedade atual? Outra vez, precisamos observar a questão penitenciária como questão social.

No artigo apresentado no “I Congreso Internacional sobre Políticas públicas en defensa de la inclusión, la diversidad y el género” em Salamanca no 2018, as considerações vêm que no período as APACs parecem ter uma visão do crime que responsabiliza as comunidades pela recuperação dos presos e todos, independentemente dos crimes cometidos, são pensados como potencialmente recuperáveis.
A abertura das APACs à sociedade e aos voluntários, além da observância dos presos que estudam, trabalham e vivem sem precisar de policiais, parece reduzir o estigma e a ideia de periculosidade. Todos vivem juntos e compartilham os mesmos espaços, sem seção especial para pessoas que poderiam ser agredidas, como estupradores e os violadores de crianças. Os presos, nesse contexto, precisam aprender a lidar com a diversidade no percurso de execução penal.

Existe uma participação comunitária forte, com diversos atores ingressando nas unidades todos os dias. As unidades visitadas, na maioria, parecem integradas às cidades, e não afastadas como algo incômodo e perigoso.

As relações nas APACs parecem relaxadas e pacíficas entre os presos, funcionários e voluntários. Parece ser muito bem recebida a ausência de policiais. Existem relações afetivas que nasceram nas APACs, possivelmente seguindo as normas.

A segurança é um aspeto fundamental: todas as estruturas comunicam confiança, os acompanhamentos aos serviços são feitos pelos voluntários e inúmeros presos trabalham no exterior ou, até, estudam nas universidades. Ex-presos trabalham nas APACs como gestores da segurança, demonstração de que as APACs acreditam na recuperação. Existe um sistema de controle recíproco entre os presos, mas que gera um controle mais extenso do que nos presídios comuns.

O respeito aos direitos humanos é visivelmente melhor quando comparamos ao sistema comum brasileiro, existindo, também, diferentes assistências — jurídica, sanitária, psicológica, social — avaliadas como melhores pelos presos. Contudo, o pessoal voluntário não é visto sempre como eficiente pelos presos, e a voluntariedade pode reduzir a possibilidade de os presos exigirem os próprios direitos.

Outros potenciais problemas são a existência de punição coletiva, no caso de não encontrar responsável para algumas faltas, e o salário, que não é sempre presente nos trabalhos cumpridos pelos presos.

O modelo da APAC é mais barato do ponto de vista econômico, como relatado nas falas das APACs, na implantação e em sua manutenção, provavelmente porque não necessita de segurança armada — que compõe a maioria dos custos dos presídios — e pela utilização dos mesmos presos, que, por exemplo, trabalham na construção de novos centros. Seria bom entender de quanto é essa redução dos custos e a influência da utilização do trabalho não pago sobre os presos.

A “espiritualidade”, necessária como requisito para entrar nas APACs, pode gerar uma seletividade, excluindo as pessoas que não professem o preconizado pelas unidades. Inclusive, a visão fundamentalmente cristã e a quase totalidade de voluntários e presos evangélicos e cristãos pode excluir os que não pertencem a essas religiões.

As APACs têm um poder enorme sobre as vidas dos presos, podendo sempre devolver às violências do sistema comum os que não respeitam as regras, e o estudo sobre esse aspecto precisaria ser mais aprofundado.

As APACs, com os seus funcionários, voluntários e presos, desempenham um trabalho que, então, parece, nesse primeiro encontro, ter vários aspectos inovadores e, com certeza, impressionarão positivamente quaisquer pessoas que visitem as estruturas. Um segundo período de campo será capaz de recolher mais dados para tentar responder aos quesitos abertos.

Considerações finais sobre educação no modelo

Pode uma pessoa com fome, doente, enfraquecida, se educar? A educação, que nunca é tarefa simples, é quase impossível nos presídios onde se encontram as necessidades básicas das pessoas vulnerabilizadas. Por isso as APACs partem da tentativa de garantir múltiplas assistências, que são bem tematizadas, porém seria necessário avaliar a eficácia ao fim da reintegração proposta.

Pode uma pessoa de-responsabilizada, constrangida, obrigada, ameaçada, assustada, se educar?

O discurso das APACs responsabiliza ao mesmo tempo os internados e a sociedade pela reintegração social: todos são considerando como educadores. A escolha de não envolver policiais no modelo, a falta de presença de métodos de coerção do modelo tradicional obriga as pessoas nas estruturas a aprender a lidar com os conflitos de outra forma. Isso representa também a possibilidade de construção de uma relação de confiança e em lugar de uma de obediência, pressuposto necessário por qualquer proposta de educação emancipadora (FREIRE 1987), ainda mais importante em um estado de evidente opressão que se vive nos presídios.

A responsabilização dos internados se expressa através da participação nas distintas atividades que predominam dentro das APACS. Os internos estudam e trabalham, em um contexto esteticamente agradável e aberto que permite à sociedade se educar junto, levando à humanização dos “presos”, diminuindo o estigma e quebrando a subcultura prisional.

O envolvimento da sociedade se dá através um processo de “abaixamento dos muros” (Gomes da Costa 2006) que visa diminuir os danos do afastamento da sociedade causado pelo modelo tradicional. Os internados podem facilmente sair da estrutura em qualquer momento, alguns inclusive são responsabilizados pelas chaves. Se os internos ficam é porque não querem viver como foragidos. O modelo se apresenta como o outro lado do modelo tradicional, que deslegitima as pessoas desconfiando permanentemente de quaisquer falas, vistas como enganosas, sediciosas, manipuladoras e por isso se arma e aumenta as paredes.

A comunidade tem que se educar em conjunto com os privados de liberdade. O poder judiciário, executivo, legislativo, a opinião pública, o mundo da educação, a sociedade civil, e os cidadãos têm o desafio de trabalhar em conjunto para construir uma política de reintegração. A sociedade não é mera observadora de um serviço prestado por técnicos, mais co-participante concreto no projeto, e dessa divisão de responsabilidades, para as APACs, depende o sucesso de qualquer reintegração possível, que passa através da acolhida e o superamento do estigma nas relações que, ao invés de ser quebrada, são recuperadas, mantidas, estendidas e potenciadas nesse modelo.

A ideia de segurança pública espalhada pelas APACs perpassa pela proposta de reintegração: “cada reintegrado na sociedade, um perigo em menos na rua”, nos explicam. A segurança aqui não se dá nem com penas mais longas, nem sem penas.

A educação tem que ir além da educação escolar: APAC quer constituir comunidade onde as pessoas vivam em conjunto aprendendo a lidar com os conflitos que essa convivência gera: por isso também não tem o “seguro” onde as pessoas mais vulnerabilizadas são “protegidas” nos demais presídios. Por isso é muito forte na proposta das APACs a “valorização humana”, a “espiritualidade”, que quer constituir uma educação aos valores que é tratada de maneira marginal no sistema de instrução regular.

Após inserção no campo, uma revisão bibliográfica das pesquisas, no estado atual da pesquisa encontra-se que o modelo das APACs parece garantir melhor o direito à educação em comparação ao modelo tradicional de prisão, inclusive propondo uma outra visão mais abrangente de “educação” que precisa ser ulteriormente analisada. APACs aparece ter uma pedagogia contracorrente respeito a pedagogia da ir-responsabilização comum no modelo tradicional.

Referencias bibliográficas